Inicio essa análise contando um fato ocorrido em 2005, ocasião em que trabalhava em um importante hospital de trauma. Um paciente de 45 anos portador de prognatismo por deficiência ântero-posterior da maxila (maxilar superior para trás) foi vítima de um acidente de tráfego e teve a infelicidade de sofrer uma fratura maxilar do tipo Le Fort I (semelhante ao que é feito na cirurgia ortognática). O colega que o atendeu verificou que, embora o paciente nunca tivesse usado aparelho ortodôntico, a oclusão era mais estável quando a maxila era posicionada em posição considerada fisiológica, ou seja em Classe I, em detrimento do posicionamento original do paciente. O cirurgião entendeu que o paciente tinha ali, naquela situação desfavorável, uma oportunidade de corrigir seu problema de deformidade dento-facial, e assim o fez, na melhor das intenções. Ocorre que o paciente, após acordar e verificar seu novo perfil facial (visivelmente mais harmônico), ficou extremamente insatisfeito. Não conseguia aceitar as novas feições, e por diversas vezes ameaçou de processo o colega cirurgião.
O fato verídico acima relatado, nos leva a uma análise sobre a subjetividade deste processo. A auto-percepção da aparência é extremamente individualizada, e sofre diversas influências que devem peremptoriamente ser levadas em consideração no momento do diagnóstico e plano de tratamento nos casos de cirurgia ortognática. Por isso, a primeira consulta é o momento de escutar atenta e respeitosamente o que o paciente tem a dizer, para só então prosseguir na propedêutica essencialmente técnica. Em suma, não se logra êxito em conseguir um resultado tecnicamente impecável, se este não tem correlação com a expectativa do paciente.
Para além do planejamento cirúrgico levando em consideração as expectativas do paciente, há de se levar em consideração o impacto que a cirurgia, uma vez realizada, provocará na psique do operado. Cirurgias simultâneas de maxila, mandíbula e mento, sobretudo se utilizadas para corrigir grandes discrepâncias oclusais, sorriso gengivoso exuberante ou malformações genéticas costumam literalmente transformar aqueles que se submetem ao procedimento. Neste momento, cabe ressaltar a importância psicossocial da face humana. "O rosto humano é o palco da nossa identidade e é a parte que mais mostramos aos outros durante toda a vida" (Freitas – Magalhães 2007). Alguns estudos têm evidenciado que as pessoas com características físicas atraentes tendem a provocar expectativas ou impressões positivas nos outros com a obtenção de vantagens interpessoais. E quando uma pessoa não corresponde aos padrões sociais de beleza física, tende a induzir impressões negativas nos outros, sendo-lhe exigido melhores resultados e responsabilidades sociais (Belluci & Kapp-Simon, 2007; Lazaridou-Terzoudi, Kiyak, Athanasiou, & Melsen, 2003; Phillips, Bennett, & Broder, 1998). Essa situação é suscetível de provocar um sofrimento psicológico significativo na pessoa, afetando a sua qualidade de vida. Para lidar com o problema dentofacial, ela pode recorrer a estratégias de ocultamento (e.g. cobrir a boca com a mão quando fala, evitar o sorriso, mover os lábios de forma artificial, não gostar de tirar fotografias), ou, em casos extremos, pode manifestar comportamentos de fobia social traduzidos em sentimentos de medo e de insegurança emocional no relacionamento interpessoal.
Alterações Psicológicas Comuns na Fase Pré- Cirúrgica
A preocupação com a estética facial tem sido o principal motivo apontado pelos pacientes para justificarem o tratamento orto-cirúrgico (Belluci & Kapp-Simon, 2007; Hunt et al., 2001; Jacobson, 1984; Johnston et al., 2010; Pogrel & P. Scott, 1994; Sadek & Salem, 2007; Stirling et al., 2007; Vulink et al., 2008). De fato, a aparência facial constitui "uma motivação muito importante para que o paciente procure o tratamento ortocirúrgico, pois a beleza, em nossa sociedade, é muito valorizada e é um fator determinante no próprio relacionamento com as pessoas" (Ribas, Reis, França, & Lima, 2005, p. 76).
Por outro lado, o fato de a estética facial se constituir como o principal motivo do tratamento estará relacionado com as necessidades afetivas do paciente (e.g. de ser capaz de auto-apreciar, de querer ser valorizado(a) pelos outros, de sentir-se confortável no contato social). Estas parecem influenciar, de modo direto, a tomada de decisão independentemente do nível de conhecimento que o paciente tenha sobre o tratamento (Stirling et al., 2007). Assim, entendemos que o desejo de melhorar a aparência é acompanhado por expectativas de benefícios psicológicos em termos de melhoria da qualidade de vida, mas é preciso reconhecer que, embora as expectativas positivas sejam uma componente importante na motivação do paciente, não preparam para lidar com as circunstâncias imediatas do pós-operatório. A demasiada valorização dos benefícios, em detrimento do conhecimento das implicações reais do processo de tratamento, pode provocar ilusões e consequente insatisfação. A intervenção ortodôntica pode acentuar os estados emocionais negativos do paciente em consequência das mudanças na sua aparência facial e dentária. Relativamente ao grau de disfunção esquelética, a literatura aponta que os candidatos com Classe II de Angle (retrognatas) tendem a exibir mais a Perturbação Dismórfica Corporal (Vulink et al., 2008), são os menos felizes com a sua aparência (Johnston et al., 2010), tendem a mostrar reduzida auto-estima, sintomas depressivos, ansiedade e hostilidade (Burden et al, 2010), enquanto os candidatos com Classe III de Angle (prognatas) relatam mais preocupações, insegurança e consciência acerca do seu perfil facial (Johnston et al., 2010). Neste mister, parece-nos que aqueles que têm a deformidade com Classe III estão mais preparados para a mudança facial do que aqueles que têm a Classe II, já que aceitam melhor a ideia da transformação facial e são menos exigentes quanto ao resultado cirúrgico.
As expectativas irrealistas, a realização prévia de cirurgia cosmética, a insegurança na tomada de decisão, o pobre apoio social (ou a pressão da família), o uso de substâncias psicotrópicas e a ausência de problema clínico justificativo da cirurgia são outras razões para maior preocupação por parte da equipe, e nestes casos não se deve prescindir da assitência do profissional de psicologia.
Alterações Psicológicas a Curto/ Médio Prazo
O período pós-operatório imediato corresponde à fase mais exigente do processo de tratamento. O sofrimento psíquico que a pessoa tem vindo a suportar ao longo da sua vida culmina no período pós-operatório a curto-prazo, pelo que a falta de preparação psicológica para lidar com os efeitos da cirurgia pode atrasar a recuperação pós-cirúrgica e, com efeito, diminuir o sucesso do tratamento, traduzido, em parte, na insatisfação/ desmotivação do paciente.
Os sintomas mais significativos desta fase abrangem a fraqueza física, as insônias, os problemas de dieta alimentar, a parestesia, o inchaço facial, a perda ou ganho de peso, a dificuldade de comunicação oral e o isolamento resultante da restrição de atividades socioprofissionais. A deterioração da qualidade de vida originada pelas limitações funcionais acontece, sobretudo, nas primeiras seis semanas a três meses. Esta será tanto mais grave quanto menos realistas forem as expectativas sobre a sintomatologia do pós-operatório imediato. Isso quer dizer que a recuperação será fortemente determinada pelo nível de conhecimento que se tem do processo de recuperação e como são antecipadas as consequências emocionais. C. Phillips e colaboradores (1998) observaram que os pacientes que inicialmente "sobreestimaram" o desconforto e a dor na fase pós-cirúrgica acabaram por admitir menos problemas em lidar com os sintomas (69%), em contraste com aqueles que tinham "subestimado" os custos emocionais da cirurgia (31%). Porquanto, a antecipação (ou as expectativas) dos efeitos da cirurgia influencia a intensidade dos sintomas que são experienciados durante a recuperação.
Alterações Psicológicas a Médio/ Longo Prazo
Depois da cirurgia, os resultados funcionais e estéticos são observados rapidamente e a pessoa encontra segurança emocional para fazer as transformações fundamentais na sua vida. Depreendemos, através da leitura de alguns artigos, que a reparação da aparência facial interfere com a saúde em geral, mas a saúde mental tende a sofrer mais alterações positivas do que a saúde física.
As mudanças no bem-estar, na qualidade de vida e nas características de personalidade dos pacientes afiguram-se estáveis a longo-prazo, especialmente, dois anos a cinco após a cirurgia. A partir desse período parecem não ocorrer melhorias significativas talvez porque o processo de adaptação à sua transformação ocluso-psicofacial chega ao fim. A pessoa aceitou a nova aparência facial e incorporou as consequências psicossociais na sua personalidade e estilo de vida (Cunningham et al., 2001).
Pogrel e P. Scott (1994) advogam que a intervenção orto-cirúrgica, além de permitir melhorias na saúde física, também constitui um "tratamento" para as perturbações psicológicas
Casos de Insatisfação
Muitos cirurgiões ortognáticos e ortodontistas já tiveram a experiência de lidar com casos de insatisfação ou de desordens psicopatológicas do paciente, ainda que a sua taxa de incidência varie entre os 5% e os 24,7% (C. Phillips et al., 1998; Pogrel & P. Scott, 1994). Os autores alegam que, nestas circunstâncias, as principais razões estão ligadas às histórias pessoais e necessidades socioafetivas do paciente e não propriamente à aparência facial (por exemplo, submeter-se à cirurgia para salvar ou melhorar uma relação íntima). Outros fatores como o pessimismo, a ansiedade, as expectativas irrealistas, o pobre apoio social podem prejudicar, de igual modo, o sucesso do tratamento (Belluci & Kapp-Simon, 2007; A. Scott et al., 2000). Esses dados apontam-nos para a necessidade de gerenciar as emoções do paciente durante o processo de tratamento, pois o eventual insucesso não se deverá exclusivamente às características psicológicas do paciente, mas sobretudo à deficiente relação de proximidade entre os intervenientes no processo.
Fonte dos dados citados neste texto:
CARVALHO, Sónia Cortinhas; MARTINS, Eugénio Joaquim; BARBOSA, Maria Raquel. Variáveis psicossociais associadas à cirurgia ortognática: uma revisão sistemática da literatura. Psicol. Reflex. Crit., Porto Alegre , v. 25, n. 3, 2012 .
Parabéns pelo artigo, me identifiquei em vários pontos que você citou, eu reproduzi seu texto na minha página que conta um pouco do meu tratamento até a cirurgia ortognática. http://ortognaticadadrica.tumblr.com/
ResponderExcluir👏👏👏👏👏 sou classe III e Lino texto. Muito bom.. Tô no inicio do tratamento e hj muoto tranqüila depois tenho lido muitos artigos e levado pra meu buço as dúvidas. Percebi q a recuperação tem muito mais haver com o psicológico do que fato com os cuidados físico pós cirúrgico. Hjnposo falar que estou aberta e faria cirurgia até agora hj já, Não sei quando chegar o dia como vou estar. Parabéns pelo artigo.
ResponderExcluirsou classe III e Li o texto. Muito bom.. Tô no inicio do tratamento e hj muito tranqüila depois tenho lido muitos artigos e levado pra meu buco as dúvidas. Percebi q a recuperação tem muito mais haver com o psicológico do que fato com os cuidados físico pós cirúrgico. Hj posso falar que estou aberta e faria cirurgia até agora hj já, Não sei quando chegar o dia como vou estar.... Parabéns pelo artigo
ResponderExcluirFiz a cirurgia tem uma semana; e encontrei uma amiga da academia na rua; acenei pra ela e a mesma veio me perguntar se eu era irmã da Nilza; no caso eu mesma. Me dei conta que estou muito diferente.
ResponderExcluirFiz a cirurgia tem uma semana; e encontrei uma amiga da academia na rua; acenei pra ela e a mesma veio me perguntar se eu era irmã da Nilza; no caso eu mesma. Me dei conta que estou muito diferente.
ResponderExcluirFiz a cirurgia tem uma semana; e encontrei uma amiga da academia na rua; acenei pra ela e a mesma veio me perguntar se eu era irmã da Nilza; no caso eu mesma. Me dei conta que estou muito diferente.
ResponderExcluirSou prognata, mais incrivelmente não se percebe o meu prognatismo,não tenho nenhum problema de baixa estima,tenho uma ótima aparencia,e como prova disso durante toda minha vida como prognata recebi inumeros elogios pela minha aparencia!!!! Então qual a questão e o motivo de fazer a cirurgia ORTOGNATICA , bem agora depois dos 40 anos comecei a ter dores maxilares,dores de cabeça,um assobio que dura alguns segundos,e lógico se ha a possibilidade de você melhorar a sua aparencia e ao mesmo tempo resolver um problema de sáude sem ´duvida vou fazer a ortognatica, e outra quebra de paradigma a minha sera antes do uso do aparelho ortodontico!!! ao contrarios dos 90% dos pacientes que passam primeiro pela ortodontia,depois pelo a ortognatica, Eu faço parte dos 10% das pessoas que podem passar por esse processo reverso!!!!
ResponderExcluirTexto excelente!
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