quarta-feira, 17 de setembro de 2014

O Impacto Psicológico da Cirurgia Ortognática

Para além do planejamento cirúrgico levando em consideração as expectativas do paciente, há de se levar em consideração o impacto que a cirurgia, uma vez realizada, provocará na psique do operado.  Neste momento, cabe ressaltar a importância psicossocial da face humana. A transformação que se inicia na aparência se mostra afinal, muito mais profunda.




Inicio essa análise contando um fato ocorrido em 2005, ocasião em que trabalhava em um importante hospital de trauma. Um paciente de 45 anos portador de prognatismo por deficiência ântero-posterior da maxila (maxilar superior para trás) foi vítima de um acidente de tráfego e teve a infelicidade de sofrer uma fratura maxilar do tipo Le Fort I (semelhante ao que é feito na cirurgia ortognática). O colega que o atendeu verificou que, embora o paciente nunca tivesse usado aparelho ortodôntico, a oclusão era mais estável quando a maxila era posicionada em posição considerada fisiológica, ou seja em Classe I, em detrimento do posicionamento original do paciente. O cirurgião entendeu que o paciente tinha ali, naquela situação desfavorável, uma oportunidade de corrigir seu problema de deformidade dento-facial, e assim o fez, na melhor das intenções. Ocorre que o paciente, após acordar e verificar seu novo perfil facial (visivelmente mais harmônico), ficou extremamente insatisfeito. Não conseguia aceitar as novas feições, e por diversas vezes ameaçou de processo o colega cirurgião.


O fato verídico acima relatado, nos leva a uma análise sobre a subjetividade deste processo. A auto-percepção da aparência é extremamente individualizada, e sofre diversas influências que devem peremptoriamente ser levadas em consideração no momento do diagnóstico e plano de tratamento nos casos de cirurgia ortognática. Por isso, a primeira consulta é o momento de escutar atenta e respeitosamente o que o paciente tem a dizer, para só então prosseguir na propedêutica essencialmente técnica. Em suma, não se logra êxito em conseguir um resultado tecnicamente impecável, se este não tem correlação com a expectativa do paciente.


Para além do planejamento cirúrgico levando em consideração as expectativas do paciente, há de se levar em consideração o impacto que a cirurgia, uma vez realizada, provocará na psique do operado. Cirurgias simultâneas de maxila, mandíbula e mento, sobretudo se utilizadas para corrigir grandes discrepâncias oclusais, sorriso gengivoso exuberante ou malformações genéticas costumam literalmente transformar aqueles que se submetem ao procedimento. Neste momento, cabe ressaltar a importância psicossocial da face humana. "O rosto humano é o palco da nossa identidade e é a parte que mais mostramos aos outros durante toda a vida" (Freitas – Magalhães 2007). Alguns estudos têm evidenciado que as pessoas com características físicas atraentes tendem a provocar expectativas ou impressões positivas nos outros com a obtenção de vantagens interpessoais. E quando uma pessoa não corresponde aos padrões sociais de beleza física, tende a induzir impressões negativas nos outros, sendo-lhe exigido melhores resultados e responsabilidades sociais (Belluci & Kapp-Simon, 2007; Lazaridou-Terzoudi, Kiyak, Athanasiou, & Melsen, 2003; Phillips, Bennett, & Broder, 1998). Essa situação é suscetível de provocar um sofrimento psicológico significativo na pessoa, afetando a sua qualidade de vida. Para lidar com o problema dentofacial, ela pode recorrer a estratégias de ocultamento (e.g. cobrir a boca com a mão quando fala, evitar o sorriso, mover os lábios de forma artificial, não gostar de tirar fotografias), ou, em casos extremos, pode manifestar comportamentos de fobia social traduzidos em sentimentos de medo e de insegurança emocional no relacionamento interpessoal.


Alterações Psicológicas Comuns na Fase Pré- Cirúrgica


A preocupação com a estética facial tem sido o principal motivo apontado pelos pacientes para justificarem o tratamento orto-cirúrgico (Belluci & Kapp-Simon, 2007; Hunt et al., 2001; Jacobson, 1984; Johnston et al., 2010; Pogrel & P. Scott, 1994; Sadek & Salem, 2007; Stirling et al., 2007; Vulink et al., 2008). De fato, a aparência facial constitui "uma motivação muito importante para que o paciente procure o tratamento ortocirúrgico, pois a beleza, em nossa sociedade, é muito valorizada e é um fator determinante no próprio relacionamento com as pessoas" (Ribas, Reis, França, & Lima, 2005, p. 76).


Por outro lado, o fato de a estética facial se constituir como o principal motivo do tratamento estará relacionado com as necessidades afetivas do paciente (e.g. de ser capaz de auto-apreciar, de querer ser valorizado(a) pelos outros, de sentir-se confortável no contato social). Estas parecem influenciar, de modo direto, a tomada de decisão independentemente do nível de conhecimento que o paciente tenha sobre o tratamento (Stirling et al., 2007). Assim, entendemos que o desejo de melhorar a aparência é acompanhado por expectativas de benefícios psicológicos em termos de melhoria da qualidade de vida, mas é preciso reconhecer que, embora as expectativas positivas sejam uma componente importante na motivação do paciente, não preparam para lidar com as circunstâncias imediatas do pós-operatório. A demasiada valorização dos benefícios, em detrimento do conhecimento das implicações reais do processo de tratamento, pode provocar ilusões e consequente insatisfação. A intervenção ortodôntica pode acentuar os estados emocionais negativos do paciente em consequência das mudanças na sua aparência facial e dentária. Relativamente ao grau de disfunção esquelética, a literatura aponta que os candidatos com Classe II de Angle (retrognatas) tendem a exibir mais a Perturbação Dismórfica Corporal (Vulink et al., 2008), são os menos felizes com a sua aparência (Johnston et al., 2010), tendem a mostrar reduzida auto-estima, sintomas depressivos, ansiedade e hostilidade (Burden et al, 2010), enquanto os candidatos com Classe III de Angle (prognatas) relatam mais preocupações, insegurança e consciência acerca do seu perfil facial (Johnston et al., 2010). Neste mister, parece-nos que aqueles que têm a deformidade com Classe III estão mais preparados para a mudança facial do que aqueles que têm a Classe II, já que aceitam melhor a ideia da transformação facial e são menos exigentes quanto ao resultado cirúrgico. 


As expectativas irrealistas, a realização prévia de cirurgia cosmética, a insegurança na tomada de decisão, o pobre apoio social (ou a pressão da família), o uso de substâncias psicotrópicas e a ausência de problema clínico justificativo da cirurgia são outras razões para maior preocupação por parte da equipe, e nestes casos não se deve prescindir da assitência do profissional de psicologia.



Alterações Psicológicas a Curto/ Médio Prazo



O período pós-operatório imediato corresponde à fase mais exigente do processo de tratamento. O sofrimento psíquico que a pessoa tem vindo a suportar ao longo da sua vida culmina no período pós-operatório a curto-prazo, pelo que a falta de preparação psicológica para lidar com os efeitos da cirurgia pode atrasar a recuperação pós-cirúrgica e, com efeito, diminuir o sucesso do tratamento, traduzido, em parte, na insatisfação/ desmotivação do paciente.


Os sintomas mais significativos desta fase abrangem a fraqueza física, as insônias, os problemas de dieta alimentar, a parestesia, o inchaço facial, a perda ou ganho de peso, a dificuldade de comunicação oral e o isolamento resultante da restrição de atividades socioprofissionais. A deterioração da qualidade de vida originada pelas limitações funcionais acontece, sobretudo, nas primeiras seis semanas a três meses. Esta será tanto mais grave quanto menos realistas forem as expectativas sobre a sintomatologia do pós-operatório imediato. Isso quer dizer que a recuperação será fortemente determinada pelo nível de conhecimento que se tem do processo de recuperação e como são antecipadas as consequências emocionais. C. Phillips e colaboradores (1998) observaram que os pacientes que inicialmente "sobreestimaram" o desconforto e a dor na fase pós-cirúrgica acabaram por admitir menos problemas em lidar com os sintomas (69%), em contraste com aqueles que tinham "subestimado" os custos emocionais da cirurgia (31%). Porquanto, a antecipação (ou as expectativas) dos efeitos da cirurgia influencia a intensidade dos sintomas que são experienciados durante a recuperação.


Alterações Psicológicas a Médio/ Longo Prazo





Depois da cirurgia, os resultados funcionais e estéticos são observados rapidamente e a pessoa encontra segurança emocional para fazer as transformações fundamentais na sua vida. Depreendemos, através da leitura de alguns artigos, que a reparação da aparência facial interfere com a saúde em geral, mas a saúde mental tende a sofrer mais alterações positivas do que a saúde física.


As mudanças no bem-estar, na qualidade de vida e nas características de personalidade dos pacientes afiguram-se estáveis a longo-prazo, especialmente, dois anos a cinco após a cirurgia. A partir desse período parecem não ocorrer melhorias significativas talvez porque o processo de adaptação à sua transformação ocluso-psicofacial chega ao fim. A pessoa aceitou a nova aparência facial e incorporou as consequências psicossociais na sua personalidade e estilo de vida (Cunningham et al., 2001).


Pogrel e P. Scott (1994) advogam que a intervenção orto-cirúrgica, além de permitir melhorias na saúde física, também constitui um "tratamento" para as perturbações psicológicas


Casos de Insatisfação





Muitos cirurgiões ortognáticos e ortodontistas já tiveram a experiência de lidar com casos de insatisfação ou de desordens psicopatológicas do paciente, ainda que a sua taxa de incidência varie entre os 5% e os 24,7% (C. Phillips et al., 1998; Pogrel & P. Scott, 1994). Os autores alegam que, nestas circunstâncias, as principais razões estão ligadas às histórias pessoais e necessidades socioafetivas do paciente e não propriamente à aparência facial (por exemplo, submeter-se à cirurgia para salvar ou melhorar uma relação íntima). Outros fatores como o pessimismo, a ansiedade, as expectativas irrealistas, o pobre apoio social podem prejudicar, de igual modo, o sucesso do tratamento (Belluci & Kapp-Simon, 2007; A. Scott et al., 2000). Esses dados apontam-nos para a necessidade de gerenciar as emoções do paciente durante o processo de tratamento, pois o eventual insucesso não se deverá exclusivamente às características psicológicas do paciente, mas sobretudo à deficiente relação de proximidade entre os intervenientes no processo.


Fonte dos dados citados neste texto: 
CARVALHO, Sónia Cortinhas; MARTINS, Eugénio Joaquim; BARBOSA, Maria Raquel. Variáveis psicossociais associadas à cirurgia ortognática: uma revisão sistemática da literatura. Psicol. Reflex. Crit., Porto Alegre , v. 25, n. 3, 2012 .




8 comentários:

  1. Parabéns pelo artigo, me identifiquei em vários pontos que você citou, eu reproduzi seu texto na minha página que conta um pouco do meu tratamento até a cirurgia ortognática. http://ortognaticadadrica.tumblr.com/

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  2. 👏👏👏👏👏 sou classe III e Lino texto. Muito bom.. Tô no inicio do tratamento e hj muoto tranqüila depois tenho lido muitos artigos e levado pra meu buço as dúvidas. Percebi q a recuperação tem muito mais haver com o psicológico do que fato com os cuidados físico pós cirúrgico. Hjnposo falar que estou aberta e faria cirurgia até agora hj já, Não sei quando chegar o dia como vou estar. Parabéns pelo artigo.

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  3.  sou classe III e Li o texto. Muito bom.. Tô no inicio do tratamento e hj muito tranqüila depois tenho lido muitos artigos e levado pra meu buco as dúvidas. Percebi q a recuperação tem muito mais haver com o psicológico do que fato com os cuidados físico pós cirúrgico. Hj posso falar que estou aberta e faria cirurgia até agora hj já, Não sei quando chegar o dia como vou estar.... Parabéns pelo artigo

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  4. Fiz a cirurgia tem uma semana; e encontrei uma amiga da academia na rua; acenei pra ela e a mesma veio me perguntar se eu era irmã da Nilza; no caso eu mesma. Me dei conta que estou muito diferente.

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  5. Fiz a cirurgia tem uma semana; e encontrei uma amiga da academia na rua; acenei pra ela e a mesma veio me perguntar se eu era irmã da Nilza; no caso eu mesma. Me dei conta que estou muito diferente.

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  6. Fiz a cirurgia tem uma semana; e encontrei uma amiga da academia na rua; acenei pra ela e a mesma veio me perguntar se eu era irmã da Nilza; no caso eu mesma. Me dei conta que estou muito diferente.

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  7. Sou prognata, mais incrivelmente não se percebe o meu prognatismo,não tenho nenhum problema de baixa estima,tenho uma ótima aparencia,e como prova disso durante toda minha vida como prognata recebi inumeros elogios pela minha aparencia!!!! Então qual a questão e o motivo de fazer a cirurgia ORTOGNATICA , bem agora depois dos 40 anos comecei a ter dores maxilares,dores de cabeça,um assobio que dura alguns segundos,e lógico se ha a possibilidade de você melhorar a sua aparencia e ao mesmo tempo resolver um problema de sáude sem ´duvida vou fazer a ortognatica, e outra quebra de paradigma a minha sera antes do uso do aparelho ortodontico!!! ao contrarios dos 90% dos pacientes que passam primeiro pela ortodontia,depois pelo a ortognatica, Eu faço parte dos 10% das pessoas que podem passar por esse processo reverso!!!!

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