Uma
discussão científica tem sido frequente
nos congressos de ortodontia e cirurgia ortognática: a possibilidade de se
fazer a cirurgia ortognática primeiro, e depois fazer a parte ortodôntica.
Vejamos se isso é viável:
Até os anos 1960, o tratamento ortodôntico prévio à
cirurgia ortognática era incomum. No entanto, com o grande desenvolvimento das
técnicas cirúrgicas, e o crescente número de pacientes buscando por este
tratamento, os cirurgiões e ortodontistas passaram a buscar maneiras de tornar
o procedimento mais previsível e os resultados otimizados, tanto do ponto de
vista estético quanto funcional. Com isso, surgiu o protocolo de tratamento
mais utilizado atualmente: o preparo ortodôntico prévio, que inclui o alinhamento,
nivelamento e descompensação dentárias previamente à cirurgia; o procedimento
cirúrgico propriamente dito; e a ortodontia pós-cirúrgica, que tem por objetivo
promover a intercuspidação (engrenamento) dentária ótima.
Essa
abordagem passou a permitir resultados melhores e mais previsíveis. No entanto,
apresenta algumas desvantagens que por vezes, desencorajam muitos pacientes a
enfrentarem o tratamento. Por exemplo, o tempo prolongado de tratamento,
envolvendo duas fases ortodônticas, e o agravamento da deformidade durante o
período de descompensação, piorando transitoriamente a estética facial e as
funções do aparelho mastigatório.
Nos
últimos anos, há uma tendência em implementar tratamentos que promovam uma
melhora imediata na morfologia facial. Em 1991, o pesquisador Brachvogel e
colaboradores (Brachvogel et. Al, 1991) propuseram essa abordagem para
minimizar os incovenientes da ortodontia pré-cirúrgica. Nesta modalidade,
conhecida mundialmente como “Surgery First”, a fase ortodôntica pré-cirúrgica é
eliminada ou dramaticamente abreviada.
Mais
recentemente, com os avanços de técnicas ortodônticas, sobretudo com o advento
das técnicas de ancoragem absoluta através do uso de mini-implantes e
mini-placas, outros pesquisadores, como o japonês Jungi Sugawara e o
brasiliense Jorge Faber criaram protocolos para a antecipação dos benefícios da
cirurgia.
As
principais vantagens da utilização dos protocolos “Surgery First”ou “Benefício
Antecipado” estão relacionadas à abreviação do tempo total e melhor aceitação
do tratamento pelo paciente. Verificou-se ainda, que as movimentações ortodônticas em maxilares já operados é
notadamente mais rápida devido ao maior turnover
ósseo nessa situação, ou seja, a própria resposta inflamatória produzida pela
cirurgia acelera o processo biológico pelo qual os dentes se movem com o
aparelho ortodôntico, reduzindo ainda mais o tempo total de tratamento.
No
entanto, é consenso que a técnica não é aplicável a todos os casos. Além disso,
como todas as abordagens, apresenta suas desvantagens. O ortodontista e
professor da UNESP Adriano Marotta Araújo cita 7 desvantagens que o
desencorajam a utilizar o “Benefício Antecipado:
“1 - Apenas uma Tendência. Para um procedimento
deixar de ser uma tendência e virar realidade, ao ponto de ensinarmos em nossos
cursos de pós-graduação, esse protocolo deverá ser examinado cientificamente
com maior propriedade além de ser passível de ser executado pela grande maioria
dos profissionais especialistas (é o caso dos brackets autoligados,
mini-implantes para ancoragem e a tomografia computadorizada 3D). Se
considerarmos um risco calculado de sucesso e bem estar geral do paciente,
menos de 10% dos pacientes são candidatos reais para o protocolo da Cirurgia
Antes da Ortodontia (sendo bem otimista).
2- Aumento da Complexidade e Risco no Tratamento.
Isto significa que mesmo quando bem indicado o protocolo da “Cirurgia Antes da
Ortodontia” apresenta complexidade de tratamento superior ao tratamento
convencional. A estabilidade dos resultados cirúrgicos ao longo prazo sem a
fase primaria ortodôntica ainda é uma incógnita na literatura.
3 - Benefíco antecipado para o paciente. Será?
Somente se avaliarmos o fator “velocidade“ da melhora estética. A melhora vai
acontecer com certeza, é uma questão de tempo. Tempo esse que vem reduzindo a
cada dia, literalmente. A média de tratamentos ortodônticos completos hoje em
dia, se considerarmos os mesmos profissionais especialistas capazes de fazer
esse protocolo, com auxilio de toda tecnologia de brackets e fios, são em média
20 meses. É comum em casos ortodônticos-cirúrgicos convencionais, o paciente
estar preparado para o ato operatório em poucos meses. A piora da estética da
face do paciente, (quando acontecer) será por um tempo bem menor do que
estávamos acostumado nos anos 90. Os casos clínicos com grande assimetrias e
curvas acentuadas de Spee realmente levam mais de um ano de preparo
ortodôntico, mas esses casos sabiamente não são indicados para o Beneficio
Antecipado de acordo com os praticantes. Enfim, vale a pena aumentar o risco de
insucesso e complexidade do tratamento e piorar o pós operatório para o
paciente apenas para ganhar alguns meses de benefício estético?
4 - Aumento do Risco Operatório e Redução do
conforto no Pós-operatório. Esse é um fator que os cirurgiões mais experientes
devem entender melhor. Afinal, os efeitos do procedimento cirúrgico e
recuperação do paciente são proporcionais ao tempo durante a cirurgia. A
dependência sobre os “splints” ou goteiras (guias) cirúrgicas é total, sobre as
duas, tanto para o guia intermediárias como no guia final. A oclusão deixou de
ser a referência, o bloqueio maxilar assume o papel de ator principal, não de
coadjuvante. A dependência sobre o aparelho ortodôntico, é ainda maior
aumentando “de novo”a responsabilidade do ortodontista. É comum alguns colegas
solicitar ainda a colocação de mini-placas para ancoragem ortodôntica,
realmente uma vantagem clínica significante para o pós-operatório, porém, de
novo, consumo maior de tempo e dinheiro. A remoção dos terceiros molares no
mesmo ato operatório aumenta o tempo de cirurgia e o risco de complicação e
fratura mandibular. A permanência do guia cirúrgico de resina acrílica fixo nos
arcos dentários é obrigatório por período de 3 a 4 semanas. Somente quem usou
um guia como esse sabe o quanto ele dificulta a adaptação dos tecidos moles e
lingua, afinal a quantidade de edema e hematoma com certeza também vai ser maior
depois dessas intervenções. E a dificuldade de higiene com as goteiras
cirúrgicas fixas na boca e o risco maior de infecção?
5- Diminuição do tempo de tratamento. Discutível.
Técnica ortodôntica, antes ou depois da cirurgia é um componente indiferente e
está mais relacionado com a habilidade profissional do que ao “momento” da
cirurgia. Transformar uma má oclusão de Classe III em Classe II ou vice-versa,
não me parece uma manobra eficiente e tão vantajosa. Se beneficiar do
aumento do movimento celular da região sim é uma verdade comprovada
cientificamente, o processo de movimentação dentária é mais eficiente até 4
meses após a cirurgia. Considerando que o paciente ficará com o guia cirúrgico
em média 1 mês, a “boa fase” para supostamente ganhar “tempo” são de apenas
três meses. Sinceramente, sabemos que três meses de maior eficiência não vai
adiantar muito no tempo total de tratamento.
6 - Set-up Virtual. Você tem um “scanner”de
modelos na sua Clinica? Não. Nem eu. Então temos que tercerizar esse serviço.
Você solicita tomografia computadorizada para todos os casos? Não. Nem eu. Com
qual frequência você faz planejamentos com softwares 3D? Mesmo lançando mão da
prototipagem, caso prefira, essa modalidade de diagnóstico ainda exige uma
curva grande de aprendizagem e experimentos. O domínio total da técnica é
fundamental, ou você quer colocar mais um risco no “seu” tratamento
ortodôntico-cirúrgico?
7- Aumento do Custo. Não estou me referindo ao
custo mental e "stress" e sim financeiro. Compra e colocação de
mini-placas, remoção das mesmas, digitalização de modelos ortodônticos,
tomografias 3D, prototipagem, etc. Sim eles vão aumentar o custo do tratamento
para o paciente, ou diminuir sua lucratividade. Você decide, alguém vai pagar
por isso.
A Nossa Abordagem (Dr. Fábio Calandrini e equipe)
A
prática da Cirurgia Ortognática nos expõe diariamente à problemática do
tratamento convencional: o longo tempo de tratamento e o agravamento do perfil
facial e da oclusão durante a fase de preparo ortodôntico. Isso acaba por
desencorajar um número considerável de pacientes a se submeter ao tratamento.
Portanto, entendemos que em alguns casos fazer a cirurgia primeiro é mais que
proporcionar um “Benefício Antecipado”. É proporcionar um “Benefício”, uma vez
que muitos pacientes jamais teriam os efeitos positivos da cirurgia ortognática
em suas vidas caso tivessem que encarar o processo tradicional de tratamento
orto-cirúrgico.
Uma
outra situação a se considerer, são os casos que envolvem a Síndrome da Apnéia/
Hipopnéia Obstrutiva do Sono (SAHOS), notadamente uma doença potencialmente
grave. Os portadores da SAHOS estão submetidos a um estresse cardiovascular de
risco inaceitável, de modo que a espera de vários meses para a realização do
procedimento cirúrgico poderia lhes custar a vida. Esses casos são os que
consideramos como principal indicação a se considerar fazer a cirurgia
primeiro.
Também
há que se considerar a seleção adequada de casos. Conceitualmente, o Benefício
Antecipado poderia ser aplicado a qualquer tipo de maloclusão, seja Classe II
ou Classe III. No entanto, entendemos que os casos ideais são aqueles que não
possuem apinhamento dentário severo e que apresentam inclinações de incisivos
não muito alteradas, tornando o resultado mais previsível. Também os casos de
Classe III nos parecem mais adequadas para se adaptarem à modalidade. Nos
paciente retrognatas, a cirurgia antecipada pode levar a uma mordida cruzada
anterior, com resultado estético bastante desagradável, até que a ortodontia a
corrija, e isso foge ao objetivo conceitual da técnica.
Por
fim, o que consideramos ainda a maior limitação para aplicar rotineiramente a
técnica do Benefício Antecipado ou Surgery First diz respeito à pouca
familiaridade da maioria dos ortodontistas com a técnica, sobretudo no que se
refere ao uso de ncoragem absoluta.
Concluindo:
A nossa opinião é que a técnica do Benefício Antecipado é muito bem-vinda ao
arsenal terapêutico orto-cirúrgico, e que nada tem a ver com o que se praticava
40 anos atrás. Ao contrario, é fruto do desenvolvimento das modernas técnicas
de planejamento, bem como do desenvolvimento da ancoragem absoluta. Entendemos
ainda que a limitação de que poucos ortodontistas são familiarizados com a
técnica é transitória. E finalmente, ponderamos que sua utilização deva ser reservada a
um número crescente, porém limitado de casos, quando prezamos pela
reprodutibilidade de resultados e previsibilidade, bem como aos casos em que realmente ter-se á um benefício de fato.
Texto bem escrito enfatizando os prós e contras sobre o assunto e obrigado pela referência no texto. Abs, A.
ResponderExcluirsensacional, a equipe calandrini traballa com essa modalidade?
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