domingo, 15 de julho de 2018

Mudanças no Nariz após a Cirurgia Ortognática


            Costuma-se dizer que a cirurgia ortognática altera a “arquitetura da face”. De fato, após o procedimento, ocorre uma mudança tanto estrutural quanto estética, fazendo jus à analogia.  E essa mudança na face envolve frequentemente o nariz, motivo de preocupação de muitos candidatos à cirurgia. O nariz está no centro da face, e sua forma é determinante na composição da harmonia e caracterização individual.

           



Quais as proporções ideais do nariz?
            Existem inúmeros estudos que procuram descrever as proporções ideais do nariz. Observe alguns exemplos:

Relações ideais entre o nariz e o restante da face.




Diferença entre os perfis do dorso nasal entre mulheres e homens (relação dorso-ponta).




Ângulos entre o dorso nasal e a columela.



Deve-se estar atento ao fato de que as proporções ideais do nariz, servem de guia para as rinoplastias e reconstruções nasais, mas não necessariamente precisam estar presentes em todas as pessoas para que se tenha uma estética facial agradável.

Como a ortognática interfere nas proporções do nariz?

Como observamos, a estética do nariz depende de dois aspectos: a proporção entre o nariz e os demais componentes da face, e a relação de medidas entre os componentes do próprio nariz.

Cirurgias mandibulares:
            Embora não haja manipulação da estrutura nasal, ocorre uma mudança proporcional na projeção do nariz. Pacientes com retrognatismo (mandíbula retruída) ou hipomentonismo (queixo retruído) apresentam um nariz proporcionalmente mais projetado, dando, frequentemente, a sensação de nariz grande. Não é incomum que pacientes com queixo retruído procurem por rinoplastias, julgando que o problema está no nariz. 
As cirurgias de avanço mandibular tendem, portanto a tornar o nariz proporcionalmente menos projetado na face, enquanto os recuos mandibulares isolados tendem a causar efeito inverso.



Cirurgias avanço maxilar:
            As cirurgias de avanço maxilar alteram tanto as proporções entre o nariz e face, quanto a própria estrutura nasal.
            Durante a osteotomia Le Fort I, realizada na maioria dos avanços maxilares, ocorre a separação entre o septo nasal e o palato. Ocorre ainda, a separação entre as estruturas que compõem a asa do nariz e o esqueleto facial.
Com o posicionamento anterior da maxila através da Osteotomia Le Fort I, o dorso nasal ósseo permanece praticamente na mesma posição, enquanto a ponta do nariz tende a acompanhar o movimento da espinha nasal anterior. Esta dinâmica tende provocar uma rotação nasal, deixando a ponta mais empinada e a giba (proeminência do dorso nasal) menos evidente. Além disso, o próprio descolamento associado à maior pressão óssea sobre as estruturas da bases alar, tendem a causar algum alargamento da base do nariz.
Resumindo: O avanço maxilar tende a deixar o nariz mais empinado e um pouco mais largo em sua base.

Cirurgias de Impacção Maxilar
            As cirurgias de impacção maxilar são frequentemente realizadas para a correção do excesso vertical de maxila, responsável por casos de sorriso gengival. Este é o procedimento que consideramos como de maior repercussão na forma do nariz. Tendem a alargar tanto a base quanto a ponta do nariz, deixando-a mais globoso. Ao mesmo tempo deixam o dorso aparentemente menos evidente. Embora os trabalhos sobre o assunto mostrem que a ponta se eleva após a cirurgia, o que observamos na prática, é que a base se eleva mais que a ponta, dando a impressão de um nariz com a ponta mais caída, em relação ao aspecto pré-operatório.
Resumindo: A impacção maxilar tende a deixar o nariz mais largo, tanto na base quanto na ponta, o dorso menos evidente e a ponta mais caída, em relação ao pré-operatório.

Cirurgias de Reposicionamento Inferior da Maxila

A cirurgia de reposicionamento inferior da maxila é realizada frequentemente em casos de deficiência vertical da face média. Nessa situação o paciente não exibe os dentes de maneira adequada durante o sorriso. Este procedimento causa um reposicionamento inferior mais da base do que da ponta, deixando a ponta menos caída.
Um outro efeito, pouco descrito e observado mesmo por profissionais experientes, é a perda de sustentação da ponta nasal. Com o posicionamento mais baixo da maxila, fica um gap entre o septo nasal e a maxila. É como se o septo nasal cartilaginoso ficasse flutuando, “pendurado pelas estruturas do dorso e do septo ósseo. Na prática isso deixa a ponta nasal mais amolecida e com uma forma menos definida.
Resumindo: com o reposicionamento inferior da maxila, a ponta nasal perde sustentação e fica menos definida. Contudo, pode-se apresentar menos “caída”. 

O que pode ser feito para que meu nariz não fique feio após a cirurgia ortognática?

Essa é uma pergunta feita por muitos dos nossos pacientes. De fato, embora algumas mudanças no nariz sejam até certo ponto previsíveis, é difícil antecipar a repercussão que isso apresentará na estética da face. Entretanto, alguns procedimentos podem ser realizados para prevenir efeitos indesejáveis na forma nasal após a cirurgia. Alguns deles, como a plicatura nasal, já são realizados pela maioria dos cirurgiões buco-maxilo-faciais. Como temos formação em rinoplastia, também utilizamos algumas técnicas de forma adaptada, para aumentar o controle sobre a estrutura e forma do nariz durante a ortognática.
A plicatura nasal consiste em pontos dados nos tecidos da Asa do Nariz para evitar que essas se alarguem em excesso no pós-operatório.
Dependendo do quanto desejamos que o nariz se torne menos ou mais “empinado” após avanços maxilares, podemos realizar desgastes na espinha nasal anterior e a fixação do septo caudal mais anterior ou posteriormente.
Em cirurgias de impacção maxilar, o cuidado maior é com relação ao risco de desvio de septo iatrogênico, causado pela não remoção do excesso de cartilagem equivalente à movimentação óssea da maxila. Nas reposições inferiores, utilizamos enxertos de cartilagem para compensar o gap entre o septo caudal e a maxila. Durante a cirurgia realizamos com frequência a remoção do músculo depressor do septo, responsável por puxar a ponta do nariz para baixo. Diversas outras técnicas comuns na rinoplastia são utilizadas para controle da forma nasal, como os struts columelares, ressecções alares e raspagem de dorso. No entanto, excetuando-se esses pequenos procedimentos, indicamos que as rinoplastias propriamente ditas, quando indicadas ou desejadas, sejam realizadas apenas  de 6 meses a 1 ano após a cirurgia ortognática, tempo suficiente para a completa cicatrização das estruturas nasais.

CONCLUINDO...

Converse com seu cirurgião sobre quais mudanças podem ser previstas para o seu nariz e o que pode ser feito para evitar efeitos indesejáveis; mas esteja ciente de que em muitos casos o resultado é pouco previsível, e que você poderá requerer uma rinoplastia de 6 a 12 meses após a ortognática.

(Dr. Fábio Calandrini é Cirurgião-Dentista e Médico, especialista em Cirurgia Buco-Maxilo-Facial, pós-graduado em Cirurgia Plástica da Face).






domingo, 11 de setembro de 2016

Como vai ficar meu nariz após a cirurgia ortognática ?



            Costuma-se dizer que a cirurgia ortognática altera a “arquitetura da face”. De fato, após o procedimento, ocorre uma mudança tanto estrutural quanto estética, fazendo jus à analogia.  E essa mudança na face envolve frequentemente o nariz, motivo de preocupação de muitos candidatos à cirurgia. O nariz está no centro da face, e sua forma é determinante na composição da harmonia e caracterização individual.

           



Quais as proporções ideais do nariz?
            Existem inúmeros estudos que procuram descrever as proporções ideais do nariz. Observe alguns exemplos:

Relações ideais entre o nariz e o restante da face.




Diferença entre os perfis do dorso nasal entre mulheres e homens (relação dorso-ponta).



 
Ângulos entre o dorso nasal e a columela.



Deve-se estar atento ao fato de que as proporções ideais do nariz, servem de guia para as rinoplastias e reconstruções nasais, mas não necessariamente precisam estar presentes em todas as pessoas para que se tenha uma estética facial agradável.

Como a ortognática interfere nas proporções do nariz?

Como observamos, a estética do nariz depende de dois aspectos: a proporção entre o nariz e os demais componentes da face, e a relação de medidas entre os componentes do próprio nariz.

Cirurgias mandibulares:
            Embora não haja manipulação da estrutura nasal, ocorre uma mudança proporcional na projeção do nariz. Pacientes com retrognatismo (mandíbula retruída) ou hipomentonismo (queixo retruído) apresentam um nariz proporcionalmente mais projetado, dando, frequentemente, a sensação de nariz grande. Não é incomum que pacientes com queixo retruído procurem por rinoplastias, julgando que o problema está no nariz.
As cirurgias de avanço mandibular tendem, portanto a tornar o nariz proporcionalmente menos projetado na face, enquanto os recuos mandibulares isolados tendem a causar efeito inverso.



Cirurgias avanço maxilar:
            As cirurgias de avanço maxilar alteram tanto as proporções entre o nariz e face, quanto a própria estrutura nasal.
            Durante a osteotomia Le Fort I, realizada na maioria dos avanços maxilares, ocorre a separação entre o septo nasal e o palato. Ocorre ainda, a separação entre as estruturas que compõem a asa do nariz e o esqueleto facial.
Com o posicionamento anterior da maxila através da Osteotomia Le Fort I, o dorso nasal ósseo permanece praticamente na mesma posição, enquanto a ponta do nariz tende a acompanhar o movimento da espinha nasal anterior. Esta dinâmica tende provocar uma rotação nasal, deixando a ponta mais empinada e a giba (proeminência do dorso nasal) menos evidente. Além disso, o próprio descolamento associado à maior pressão óssea sobre as estruturas da bases alar, tendem a causar algum alargamento da base do nariz.
Resumindo: O avanço maxilar tende a deixar o nariz mais empinado e um pouco mais largo em sua base.

Cirurgias de Impacção Maxilar
            As cirurgias de impacção maxilar são frequentemente realizadas para a correção do excesso vertical de maxila, responsável por casos de sorriso gengival. Este é o procedimento que consideramos como de maior repercussão na forma do nariz. Tendem a alargar tanto a base quanto a ponta do nariz, deixando-a mais globoso. Ao mesmo tempo deixam o dorso aparentemente menos evidente. Embora os trabalhos sobre o assunto mostrem que a ponta se eleva após a cirurgia, o que observamos na prática, é que a base se eleva mais que a ponta, dando a impressão de um nariz com a ponta mais caída, em relação ao aspecto pré-operatório.
Resumindo: A impacção maxilar tende a deixar o nariz mais largo, tanto na base quanto na ponta, o dorso menos evidente e a ponta mais caída, em relação ao pré-operatório.

Cirurgias de Reposicionamento Inferior da Maxila

A cirurgia de reposicionamento inferior da maxila é realizada frequentemente em casos de deficiência vertical da face média. Nessa situação o paciente não exibe os dentes de maneira adequada durante o sorriso. Este procedimento causa um reposicionamento inferior mais da base do que da ponta, deixando a ponta menos caída.
Um outro efeito, pouco descrito e observado mesmo por profissionais experientes, é a perda de sustentação da ponta nasal. Com o posicionamento mais baixo da maxila, fica um gap entre o septo nasal e a maxila. É como se o septo nasal cartilaginoso ficasse flutuando, “pendurado pelas estruturas do dorso e do septo ósseo. Na prática isso deixa a ponta nasal mais amolecida e com uma forma menos definida.
Resumindo: com o reposicionamento inferior da maxila, a ponta nasal perde sustentação e fica menos definida. Contudo, pode-se apresentar menos “caída”.

O que pode ser feito para que meu nariz não fique feio após a cirurgia ortognática?

Essa é uma pergunta feita por muitos dos nossos pacientes. De fato, embora algumas mudanças no nariz sejam até certo ponto previsíveis, é difícil antecipar a repercussão que isso apresentará na estética da face. Entretanto, alguns procedimentos podem ser realizados para prevenir efeitos indesejáveis na forma nasal após a cirurgia. Alguns deles, como a plicatura nasal, já são realizados pela maioria dos cirurgiões buco-maxilo-faciais. Como temos formação em rinoplastia, também utilizamos algumas técnicas de forma adaptada, para aumentar o controle sobre a estrutura e forma do nariz durante a ortognática.
A plicatura nasal consiste em pontos dados nos tecidos da Asa do Nariz para evitar que essas se alarguem em excesso no pós-operatório.
Dependendo do quanto desejamos que o nariz se torne menos ou mais “empinado” após avanços maxilares, podemos realizar desgastes na espinha nasal anterior e a fixação do septo caudal mais anterior ou posteriormente.
Em cirurgias de impacção maxilar, o cuidado maior é com relação ao risco de desvio de septo iatrogênico, causado pela não remoção do excesso de cartilagem equivalente à movimentação óssea da maxila. Nas reposições inferiores, utilizamos enxertos de cartilagem para compensar o gap entre o septo caudal e a maxila. Durante a cirurgia realizamos com frequência a remoção do músculo depressor do septo, responsável por puxar a ponta do nariz para baixo. Diversas outras técnicas comuns na rinoplastia são utilizadas para controle da forma nasal, como os struts columelares, ressecções alares e raspagem de dorso. No entanto, excetuando-se esses pequenos procedimentos, indicamos que as rinoplastias propriamente ditas, quando indicadas ou desejadas, sejam realizadas apenas  de 6 meses a 1 ano após a cirurgia ortognática, tempo suficiente para a completa cicatrização das estruturas nasais.

CONCLUINDO...

Converse com seu cirurgião sobre quais mudanças podem ser previstas para o seu nariz e o que pode ser feito para evitar efeitos indesejáveis; mas esteja ciente de que em muitos casos o resultado é pouco previsível, e que você poderá requerer uma rinoplastia de 6 a 12 meses após a ortognática.

(Dr. Fábio Calandrini é Cirurgião-Dentista e Médico, especialista em Cirurgia Buco-Maxilo-Facial, pós-graduado em Cirurgia Plástica da Face).





sábado, 12 de março de 2016

Bochechas Grandes – Quando a Bichectomia não resolve




A bichectomia é um procedimento que consiste na remoção de parte da gordura de Bichat, estrutura adiposa localizada na face. Quando se deseja ressaltar os contornos faciais e valorizar o resultado estético, sobretudo em faces mais arredondadas, podemos lançar mão da técnica. Técnica aliás que não é nova. Embora eu tenha visto alguns dentistas reivindicarem pioneirismo, a bichectomia é realizada em vários países desde a década de 80, e há quase uma década por nós (Dr. Fábio Calandrini e equipe).
Acontece que após reportagens em alguns meios de comunicação, discorrendo sobre a técnica e as celebridades que se submeteram ao procedimento, a bichectomia virou febre. Por estar ao alcance do Cirurgião-Dentista, centenas de profissionais da noite para o dia começaram a oferecer o procedimento a seus pacientes, e outros tantos se tornaram professores, em busca de pacientes para utilizar nos cursos.
Minha prática clínica é voltada para a cirurgia ortognática, e cirurgia facial estética. Não raro, tenho recebido pacientes que disseram ter se submetido à bichectomia, mas que se mostraram insatisfeitos. Boa parte considerou os resultados aquém do esperado. Alguns não notaram diferença e houve dois casos de pacientes com a face assimétrica após a bichectomia.
Conversando com os pacientes e com alguns colegas Cirurgiões-Dentistas que frequentaram algum entre os numerosos cursos de bichectomia, cheguei a algumas conclusões, sobre o porquê de tantos pacientes frustrados.
Primeiramente, me parece que alguns cursos falham em ensinar adequadamente a propedêutica para se indicar o procedimento. Ignoram considerações sobre noções craniométricas, estrutura óssea e muscular, avaliação da gordura subcutânea, pele, etc. Dessa forma os profissionais que saem de muitos desses cursos não estão seguros sobre quando indicar e quando contraindicar a bichectomia. Por este motivo, falham em esclarecer ao paciente sobre as limitações de cada caso, criando muitas vezes, expectativas irrealistas. Basta lembrar que em muitos dos casos de pacientes que procuram pelo procedimento, a queixa é de “bochechas grandes”. Acontece que esta queixa, deverá ser traduzida em diagnóstico a partir de uma avaliação clínica adequada. Há casos em que a queixa do paciente é multifatorial, resultando simultaneamente de características ósseas, musculares e subcutâneas, cada uma delas em graus variados.
Me parece também que pode haver por parte de alguns profissionais a falta de conhecimento anatômico adequado sobre a gordura de Bichat. Essa estrutura possui uma porção pterigóidea e uma outra infratemporal, que se retiradas, não geram nenhum benefício estético, além de submeter o paciente a riscos desnecessários. Dependendo de onde se realiza a incisão para a bichectomia, e de como é feita a dissecção, a porção bucal pode não estar sendo acessada adequadamente, ou as demais porções podem estar sendo desnecessariamente removidas. Daí os casos de assimetria pós-operatória.
É importante esclarecer ao paciente que a bichectomia não muda o contorno, e muito menos, o padrão facial. Pacientes braquicefálicos, com a musculatura mastigatória (masseter) proeminente são os que se frustram com maior frequência, sobretudo aqueles com tecido adiposo subcutâneo mais abundante.
Assim, para cumprir o papel de atender à queixa do paciente, é preciso compreender as estruturas faciais que contribuem para as bochechas volumosas, bem como oferecer o tratamento ideal para cada caso. E nos casos em que o tratamento estiver fora do alcance técnico, indicar o paciente a um profissional que possa executar o procedimento adequado (osteoplastias, mioplastias, lipoaspiração e tratamentos não cirúrgicos).


(Dr. Fábio Calandrini é Cirurgião-Dentista e Médico, especialista em Cirurgia Buco-Maxilo-Facial, pós-graduado em Cirurgia Plástica da Face).

sábado, 7 de novembro de 2015

Cirurgia Ortognática e ATM: qual a relação?



A história do paciente com dores faciais crônicas costuma ser típica: já peregrinou por uma uma série de consultórios, passando por profissionais de várias especialidades, sem que tenha havido consenso sobre a causa específica, e muito menos, sobre o melhor tratamento, embora a maioria indique a ATM como cerne do problema.
Por outro lado, quando o transtorno da ATM vem acompanhado de uma alteração dento-facial que requeira uma ortognática, todos apontam esse procedimento cirúrgico como a solução para todos os problemas. Será isso uma verdade? Vejamos.

Os transtornos da ATM correspondem a um conjunto de alterações dos componentes articulares têmporo-mandibulares, e/ ou músculos da mastigação. 
Estamos falando, portanto, de diferentes condições que se manifestam com sintomas semelhantes, que podem ocorrer de forma isolada ou combinada: dores faciais, ruídos articulares e limitações funcionais. Isso por si só já é um fator complicador, dificultando a compreensão da maioria dos profissionais, bem como a implantação de protocolos de tratamento.
Durante muito tempo, as dores miofasciais e transtornos da ATM foram atribuídos a alterações da oclusão dentária (mordida) . Assim as indicações terapêuticas para essa condição eram limitadas a modificações da mordida, seja com tratamentos de reabilitação com próteses, desgastes seletivos dos dentes, ortodontia e mesmo a cirurgia ortognática.
Os estudos na área foram se aprofundando, e surgiu uma corrente de pensamento que buscava dissociar quase por completo a oclusão dentária e os problemas da ATM.
Atualmente há uma posição de equilíbrio, uma vez que os estudos mais recentes demonstram que a ATM apresenta uma fisiopatologia própria, que pode incluir alterações oclusais. Sabe-se por exemplo, que condições como o bruxismo ou apertamento dentário, bem como alterações que impõem sobrecarga à ATM, podem levar a um aumento da pressão intra-articular, levando a uma isquemia (deficiência na oxigenação por déficit de circulação) dos tecidos articulares. Essa isquemia é aliviada a cada vez que há um relaxamento da musculatura. Esse ciclo de isquemia e recirculação é responsável pela produção de radicais livres que por sua vez, promovem inflamação e degeneração da ATM. Os radicais livres e mediadores inflamatórios podem ainda, degradar o ácido hialurônico, substância responsável pela lubrificação da articulação. Isso poderia gerar um maior atrito durante a movimentação do disco articular, levando à sua luxação a médio/ longo prazo.
            Na prática diária de nossa clínica, especializada em cirurgia ortognática, pudemos perceber e documentar a forte correlação entre deformidades dos maxilares  e transtornos da ATM. Dificilmente atendemos um paciente Classe II que não tenha algum grau de comprometimento da ATM, sobretudo alterações dos discos articulares. Em muitos casos, a própria disfunção da ATM é a queixa principal, que faz o paciente correr em busca da cirurgia ortognática. E é aí que entra nosso papel de dar a informação correta, bem como de indicar o melhor tratamento, prevenindo tanto frustrações do paciente com relação ao resultado, como até mesmo, a geração de um problema ainda maior.


            Se por um lado alterações da oclusão, como uma mordida em Classe II podem participar da gênese das desordens da ATM, a correção da Classe II através da cirurgia ortognática isoladamente não vai tratar o problema da ATM. Explicando melhor: é provável que anos e anos de uma mandíbula mal posicionada ou malformada tenham levado a uma situação de sobrecarga e para-função das ATMs, dando causa a alterações degenerativas. O simples fato de reposicionarmos essa mandíbula não vai fazer com que essas alterações desapareçam, regenerando os tecidos consumidos por inflamação, desgastes e remodelamentos.
            Um grupo de pesquisadores Americanos liderados pelo famoso cirurgião de Dallas, Larry Wolford, avaliou 25 pacientes com deformidade dos maxilares e deslocamento anterior de disco articular, tratados somente com cirurgia ortognática, para avanço de mandíbula. Antes da cirurgia, 36% deles tinham dor e desconforto. Em um acompanhamento de 2.2 anos após a cirurgia, 84% dos pacientes relataram dor na ATM, com um aumento proporcional a 70% na severidade da dor. E ainda, 25% deles desenvolveram mordida aberta por reabsorção condilar. Um agravo ou início nos sintomas da ATM ocorreu em um período de cerca de 14 meses após a cirurgia. 48% destes pacientes precisaram de cirurgia de ATM e repetição da cirurgia ortognática. 36% precisaram de um longo período de medicação e/ou terapia por splint e bandagem para controle da dor. Esse estudo mostra claramente o problema de se realizar somente a cirurgia ortognática em pacientes portadores de deslocamento anterior de disco. Além disso, os sintomas de recidivas ou piora só ficam claros em um período de aproximadamente um ano ou mais pós- cirurgia ortognática.
Portanto, o paciente deve ter clareza sobre o fato de que CIRURGIA ORTOGNÁTICA NÃO TRATA DESORDENS DA ATM. Quando muito, proporcionam uma posição mais fisiológica para os maxilares, diminuindo as para-funções.
Desta forma, o cirurgião deve estabelecer um protocolo sobre como lidar com os pacientes candidatos a cirurgia ortognática, que apresentam também transtornos da ATM.
A ATM com problemas requer tratamento próprio. Normalmente indicamos tratamento clínico para os casos afetados, podendo ou não haver a indicação de procedimentos na própria ATM em conjunto com a cirurgia ortognática, conforme cada caso especificamente. Esses procedimentos vão desde a artrocentese, uma lavagem da articulação por meio de agulhas percutâneas, até procedimentos por vídeo (artroscopia), e cirugias abertas. Alguns casos em que ocorreu destruição extensa das articulações, podem requerer a instalação de próteses articulares para o restabelecimento funcional.
A cirurgias modernas da ATM são realizadas por meio de incisões pequenas, de até 3 centímetros, que ficam escondidas atrás do tragus da orelha. Esses procedimentos permitem o reposicionamento e ancoragem do disco articular, sendo fundamentais para o sucesso da cirurgia ortognática a longo prazo, quando bem indicados.


Para concluir, cabe ressaltar que o conhecimento que temos hoje acerca da ATM e suas patologias, permite que o diagnóstico das condições que afetam a articulação seja feito de maneira mais precisa. Também permite que o tratamento seja indicado a partir de critérios objetivos, panorama bem diferente do observado dez anos atrás. Permanece, contudo, a característica de doença crônica e multifatorial, exigindo um tratamento continuado de múltiplas abordagens simultâneas. A cirurgia ortognática, portanto, não trata desordens da ATM. E a ATM, por sua vez, deve ser tratada para aumentar as chances de sucesso funcional da cirurgia ortognática.
Texto: Dr. Fábio Calandrini - www.fabiocalandrini.com